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Será que é crime simular relações sexuais em cima de um palco?

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A publicação
no Facebook e no Instagram de um vídeo com o excerto de um espectáculo musical do artista
Roni de Melo no Campanário tem gerado enorme indignação e inúmeros comentários
nas redes sociais. A gravação, com cerca de de três minutos de duração, foi feita
a 28 de Setembro, na Festa em Honra de Nossa Senhora do Bom Despacho. Mas só ontem foi
divulgada e começou logo a causar polémica. Mostra um casal de adultos em cima do
palco a fazer uma coreografia que simula relações sexuais, em várias posições,
algumas das quais com orientação do cantor brasileiro, que vive há vários anos
na Madeira. Ambos estão vestidos e parecem exibir-se de livre vontade. O
público que assistiu à cena parece ter ficado entusiasmado, mas nas redes sociais a cena foi severamente criticada, devido ao cariz sexual dos movimentos feitos e por ter sido
protagonizada num local público, onde se encontravam crianças. Há mesmo quem
considere que foi cometido um crime de “abuso sexual” e que a PSP devia ter
detido o casal naquele momento. Será que estamos perante um crime?

O Código
Penal português prevê diversos crimes contra a liberdade e a autodeterminação
sexual (abuso sexual, coacção sexual, importunação sexual, lenocínio, actos
sexuais com adolescentes, recurso à prostituição de menores, etc.). Acontece
que estes crimes implicam a efectiva ocorrência ou tentativa de prática de actos sexuais ou exibição
dos órgãos genitais, algo que não se verificou na festa realizada no Campanário,
pois, como já se referiu, os dois protagonistas estavam completamente vestidos e
não subsistem dúvidas de que tinham idade superior a 18 anos e demonstram ter uma
participação voluntária na encenação.

Desta panóplia
de crimes, aquele cujo enquadramento mais se aproxima da situação registada no
referido espectáculo musical é o de importunação sexual. Lê-se no correspondente artigo 170.º
do Código Penal: “Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela actos de
carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a
a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com
pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de
outra disposição legal”. Se o acto “importunar menor de 14 anos”, está
em causa um crime de abuso sexual de crianças, que é punido com pena de um a
oito anos de prisão. Neste capítulo, admite-se que as meras “propostas de teor
sexual” podem ser criminalizadas, embora tenham de ser dirigidas a alguém em
concreto, condição que na situação em análise também não se verifica.

Não há na
jurisprudência condenações por situações similares às apresentadas no vídeo,
nem mesmo notícia de abertura de inquéritos. Por isso, é claramente exagerado o
pedido de detenção dos intervenientes e a indiciação dos mesmos pela prática do crime de “abuso
sexual”.

Apesar de em
Portugal a simulação de relações sexuais em cima de um palco não ser
necessariamente crime, pode haver situações em que isso pode violar a
legislação, dependendo de vários factores. Por exemplo, os organizadores de
espectáculos estão obrigados ao cumprimento de regras de licenciamento e
respeito pelas classificações etárias. Se a performance incluir cenas explícitas, a falta de aviso prévio ou de restrições etárias pode levar a
penalizações. Se o espectáculo
for acessível a menores e a simulação for considerada inadequada para tal
público, pode haver consequências legais relacionadas com a protecção de crianças
e jovens.

No entanto,
é importante referir que em Portugal existe uma forte protecção à liberdade de
expressão artística. O conteúdo de uma performance pode ser justificado como
parte de uma obra artística ou cultural, o que pode mitigar a percepção de que
o acto seja ofensivo ou ilegal, desde que respeite as normas já mencionadas.

Em abono do
casal e do artista envolvidos no polémico ‘show’ no Campanário, sempre se pode
referir que é fácil encontrar vídeos e coreografias de músicas nacionais e
estrangeiras com evidentes referências sexuais. A música ‘O Bicho’, de Iran
Costa, é um exemplo disso.

Não cabe no âmbito
desta análise abordar a questão do bom gosto da conduta dos participantes na referida cena, que foi também muito abordada nas
centenas de comentários nas redes sociais. Contudo, o próprio Roni de Melo veio
esta manhã reconhecer que aquela parte do seu espectáculo constituiu “um erro” que não deveria ter acontecido e pediu
“desculpas e perdão” à comissão de festas da Nossa Senhora do Bom Despacho e “a
todas as famílias e crianças presentes”. “O erro foi meu. Não deveria ter
deixado. Todos somos humanos e todos erramos. A grande virtude é não permanecer
no erro e pedir perdão. Não roubei, não tentei matar, não infringi nenhuma lei.
No calor da emoção fizemos aquilo. Não estou orgulhoso de mim”, assumiu o
artista, que assegurou que esta “brincadeira de mau gosto” não terá repetição.

Simular actos sexuais num espectáculo público é um “crime de abuso sexual” e os seus protagonistas deviam ser “detidos pela PSP” – Comentários no Facebook

Miguel Fernandes Luis

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Miguel Fernandes Luis

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